terça-feira, 20 de julho de 2010

Eu estava sentada sozinha, quieta, no meu canto, sentindo o cheiro delicioso do café e agradecendo ao universo por tudo o que vinha acontecendo comigo. Estava aproveitando a minha própria companhia e me sentia realmente feliz. Muita gente entrava e saía daquele lugar carregando suas histórias, e eu não sentia nenhuma vontade de saber quem eram aquelas pessoas nem de falar sobre nada. Estava bem. De repente, entra sem que eu perceba alguém que não foi convidado e que nunca seria. O medo. Senta sem pedir licença e arranca a xícara da minha mão. Perdi a vontade de comer. Ele não se importa em ser inconveniente. Ele chega e toma todo o espaço que precisa como se fosse o dono da situação. E muitas vezes é. Sentado bem à minha frente, ele olha nos meus olhos e assim permanece por um bom tempo. Ele tentando entender o que se passa na minha cabeça e eu tentando afugentá-lo como se fosse um rato imundo. Nesse embate de olhares, eu começo a fraquejar. Claro, ele está acostumado a vencer. Mas eu também já o venci, e procuro me manter tranquila e fazê-lo acreditar que eu não estou disposta a desistir dessa vez. Ele solta uma gargalhada irônica, como se soubesse dos meus pensamentos. Como se soubesse que eu estava tentando fazê-lo acreditar em algo que eu mesmo não acreditava. Eu desvio o olhar e abaixo a cabeça, derrotada. Sinto raiva de mim, porque eu sabia que podia conseguir se tivesse tentado um pouco mais. Ele permanece com aquele sorriso de escracho no rosto, sorriso de vitória. Vitória que era pra ser minha. Mas eu não podia fazer aquilo comigo mesmo mais uma vez. Eu precisava olhar pra ele de novo e dizer tudo o que ele merecia ouvir. Mesmo na lona, ouvindo os gritos de vitória dos comparsas do medo, zonza e ofegante, eu segurei firme na mesa e por um triz não joguei a xícara de café na sua cara. Voltei a olhar pra ele e percebi a sua expressão confusa. Certamente estava pensando que eu tinha mudado muito. Acertou. Mudei. E não ia deixar ele me vencer mais uma vez. Não ia deixa-lo me fazer sentir raiva de mim mesma por ter sido derrotada por ele. Eu deveria sentir orgulho de mim, sempre. Eu carregava minhas culpas e assumia o risco de sofrer qualquer consequencia dos meus atos. Eu olhava nos seus olhos com raiva dele e não mais de mim. E quanto mais essa raiva aumentava, mas meu olhar o atormentava, porque ele sentia que todos os seus planos estavam caindo no precipício. Essa troca de olhares tinha se transformado em uma espécie de transe e quando dei por mim estava de pé, olhando por cima aquele cara que há poucos minutos era praticamente o dobro do meu tamanho. Agora estava encolhido na cadeira, quase enterrado. E era essa a minha vontade, enterra-lo para nunca mais ter que olhar pra esses olhos sarcáticos do medo. Mas não. Afastei, abri um espaço entre mim e a mesa e o deixei ir. Continuava parecendo um rato imundo, mas agora assustado. Voltei a sentar, suando e sorrindo. Algumas pessoas no bar sequer se deram conta da batalha que se havia travado ali, naquele exato momento. Outras, eu imagino que perceberam sim. E entenderam que eu precisava lutar sozinha. Voltei a tomar o café, agora frio. Mas tudo estava delicioso.
Por que o deixei ir? Porque ainda quero ter a chance de derrotá-lo várias outras vezes.